terça-feira, 30 de junho de 2009

Coisa de Mulher

Durante um processo de pesquisa, muitas coisas aparecem. E quando aparece você?
Quando a gente olha pra fora e pra dentro, quando a gente se expõe de um modo inimaginável, quando nos colocamos desnudadas no palco. Ser nosso objeto de pesquisa e de exposição sem ser objeto é muito complexo. Depor é muito complexo. Acho que somos muito complexos.

O texto é um pouco longo, mas taí um desses pensamentos pontuais que se passam quando penso em mim mesma e em mim como mulher (outro ponto da nossa pesquisa):

Fui criada pra ser uma pessoa e não uma mulher.
Eu fui criada pra ser independente, pra ter sucesso no trabalho, pra cuidar de mim e não precisar de alguém.
E me deparo precisando o tempo todo.
De um homem.
Não quero me casar mas não seria nada mal chegar em casa e ter alguém lá.
Uso tênis e não gosto de batom mas pinto meu cabelo e me depilo com cera quente.
Não sou viciada, na verdade nem gosto de fazer exercícios mas tenho medo de ser gorda.
Tenho a pele clara e meu médico me mandou usar protetor solar: previne câncer e rugas.
Queria ser muito atraente mas não queria que minhas conquistas tivessem a ver com meu poder de sedução.
È isso que é ser mulher?
É simplesmente uma diferença biológica ou realmente as mulheres são mais abertas, mais profundas, mais sensíveis, mais empáticas... e eu devo abdicar das diferenças em prol de ser uma pessoa ou existe um lugar diferente no mundo pras mulheres?
A sedução, o relacionamento, a procriação, a criação... tudo isso é parte de mim ou é obrigação minha?
Sou eu que tenho que estar sempre jovem, sempre arrumada, pintar minha cara, cuidar da minha pele, ficar magra? E pra que? Pra quem? Pra mim? Pra ele?
Sou eu quem tem que se preocupar em seduzir, em não deixar o relacionamento esfriar, em existir um “próximo passo”, em ter que discutir relação? Ou se espera isso de mim?
Sou eu que preciso afirmar que quero dividir a conta do jantar, do cinema, de telefone? Eu preciso ficar envergonhada quando querem me pagar o encontro? Ou eu preciso aceitar isso em prol de um cavalheirismo e uma gentileza porque sou mulher?
Eu preciso cuidar do meu corpo pra não ficar doente ou eu preciso cuidar do meu corpo pra estar sempre “em forma”? Em forma de quê? Na forma da capa da revista? Na forma da tela da tevê?
Eu quero tanto achar meu lugar no mundo, minha essência, meu diferencial... e pra um lado ou pra outro só me fazem ser igual. Tenho que ser igual aos homens. Tenho que ser igual às mulheres.
Tenho que ser bem sucedida, tenho que ganhar bem, tenho que pensar em ter filhos, tenho que acabar com as celulites. E mesmo assim, tenho a sensação de faltar alguma coisa. Falta descobrir o que é isso que me faz mulher e não homem.
Preciso admitir que quero sim ter um homem que me ame. Que eu quero sim que ele se ofereça pra abrir a porta ou carregar minha bolsa. E que eu quero sim me maquiar pra sair no sábado a noite. E que eu quero ser a mulher mais linda do universo pro meu namorado mesmo que tenha culote ou celulite, mesmo com remela nos olhos e cabelos desgrenhados de manhã. Quero que ele queira ter filhos e também que queira adotar um, apesar desse sonho ser meu e não dele. E que ele ame nosso filho de criação como amaria um de sangue. E quero pagar metade das contas com meu dinheiro. E quero ser admirada no meu trabalho. E quero ter sucesso no que eu faço. E quero trabalhar duzentas horas e ter fôlego pra sair pra dançar. E quero sair pra beber e ser paquerada por estranhos e poder dizer pra eles que não, obrigada, não estou interessada neles. E quero falar mal do meu namorado e dos homens em geral e também, ou ao mesmo tempo, que minhas amigas gostem dele. Quero sustentar meus filhos e ainda animais de estimação. Quero poder ajudar de fato a sociedade, seja com fundos para instituições pertinentes seja mesmo na política. Quero poder envelhecer sem me sentir mal, ou feia, ou que eu passei do tempo, ou mal amada.
Falta alguma coisa porque eu quero tudo.


*Depoimento para o processo de "E Agora Nora" com a Cia Temporária de Investigação Cênica.